Por Emerson Machado
Há magia no Porto.
Não importa a época do ano.
Num primeiro momento, se descobre uma curiosidade instigante sobre a largura dos becos e como todos aqueles prédios se sustentam estando tão próximos uns dos outros. E é a partir dessa vontade de saber o que cada ruela da Capital do Norte de Portugal esconde que os encantos começam.
Quando menos se espera, as ladeiras forçam a se alcançar a Ribeira e de lá ter o primeiro deslumbramento com a paisagem. Às margens do rio Douro, as colinas são dominadas por cores de prédios, mosteiros e igrejas que guardam às entradas da cidadela. As águas verdes marcham em ritmo calmo e tranquilamente ondulante sob a Ponte Dom Luís I, que liga o Centro do Porto à Vila Nova de Gaia, com guarda a cargo do Mosteiro da Serra do Pilar.
Ao fundo, a imponência da Ponte da Arrábida, com seu gigantesco arco e vista para o encontro do rio com o Oceano Atlântico, que a partir daí pinta o olhar com vários tons de azul na linha tênue entre o céu e o mar, ambos testemunha de um pôr-do-sol capaz de emocionar. Um espetáculo que transforma tudo o que a vista alcança.
Pois, apesar das exposições; dos museus; das igrejas; do teleférico; das caves de vinho do Porto; dos restaurantes; das delícias e aromas de deixar bocas abertas; dos turistas que vêm e vão; dos moradores que somem e aparecem por ruazinhas estreitas que se espalham como labirintos; o mais interessante é ver que as cores tangem as margens do Douro com variadas tonalidades durante o dia.
A luz da manhã nos dá a mágica de um céu azul-anil, cobrindo os edifícios da cidade com um branco sério, que cria a impressão de que as construções exigem respeito. Já a tarde traz um tom dourado aos caminhos e tudo em volta das janelas fechadas ganha ainda mais vida.
Enquanto a melhor sensação para um explorador é andar por entre ladeiras que se forram de becos aparentemente infinitos, em certo ponto dá-se a impressão de que se caminha por dentro da casa dos outros; as mais diversas residências criam intimidade. E ao perambular, o som dos trens ao longe soam como uma recordação a se levar da viagem.
Prestar atenção nos ruídos ao redor é a prova de que os detalhes se tornam grandes e importantes na jornada: cada abertura nas paredes, tornando possível ver o rio lá embaixo; as pedras de antigas construções espalhadas pelas vias; as ruelas e becos com paralelepípedos que brilham molhados; o novo e o antigo lado a lado na mais completa harmonia.
O alaranjado do céu ilumina o azul e o verde das casas, o amarelo e o cor-de-rosa dos lençóis pendurados para o lado de fora das sacadas do quarto ou do quinto andar. Apesar de a sobriedade do marrom e do cinza das calçadas manter os pés firmes no chão, o lilás e o amarelo de paredes faz flutuar entre imagens reais que se constroem; feitas especialmente para aquele momento. O instante em que os olhos as miram.
Há sempre a Cúpula do Palácio de Cristal sendo banhada pelo vermelho apaixonante do Sol de fim de tarde. Astro que, quase desaparecendo no horizonte ao ser visto do topo dos muitos montes no Porto, se desfaz em um festival de amarelo e alaranjado, ornamentado por rastros brancos de aviões que voam alto, já na cor púrpura do cair da noite.
O manto da noite disputa com o calor do sol, ambos se misturando em um cobertor magenta que pouco a pouco se pontilha com pequenas luzes; como pedras cintilantes costuradas no céu. O reflexo do duelo na água também é reluzido nas janelas dos prédios e das paredes da Sé, que se ergue em uma esplêndida e pacífica fortaleza.
Os barcos passeiam sossegados, como incapazes de seguirem mais rápido pela benção de se ter aquela vista. Os casais se beijam e caminham de mãos dadas sobre pontes, no Cais de Gaia ou nos muitos mirantes espalhados pelas alturas dos morros ao redor. O romance fica mais evidente ainda quando a Lua resolve aparecer ao fundo, surgindo do continente europeu em um salto em direção ao oceano como um farol para a escuridão da noite.
Acompanhada de estrelas que formam constelações possíveis de se desenhar com o indicador, a Lua coroa o cenário como a última pincelada em um quadro pintado pelas forças do Universo. Como um diamante no manto escuro e frio da noite, o cenário é finalizado com a nossa compreensão de que tudo o que pode ser contemplado no Porto é um presente aos olhos.
E ao coração.
Emerson Machado é escritor e jornalista brasileiro, autor de vários livros para crianças e adolescentes, entre eles O Investigador de Sótãos (PNBE 2011) e O Conto das Lembranças Perdidas; e também de reportagens premiadas publicadas no Diário da Amazônia. Hoje, vive no Porto, em Portugal.