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Resistência à mineira

Reduto de intelectuais e boêmios, a Cantina do Lucas, nos pesados anos de chumbo da ditadura, também foi frequentada pelos militares. Para impedir prisões, criou um código, ajudando a esconder estudantes e militantes que lutavam contra o regime militar.

Patrimônio cultural de Belo Horizonte desde 1997, a Cantina Lucas é um endereço pitoresco da capital mineira. Além da gastronomia impecável e da carta de vinhos da melhor qualidade, ostenta uma trajetória intrigante. Fundada em 1962, funciona no mesmo lugar onde funcionava o Grande Hotel no início do século 20, mais precisamente no Edifício Maletta, cuja galeria instalada no térreo lembra muito a do prédio do Copan, na capital paulista.

Mais do que um restaurante, a casa é um pulsante e efervescente caldeirão de vanguarda. De ideias e de ideais. Em seus 59 anos de existência, esse encantador reduto de intelectuais, artistas e formadores de opiniões já serviu almoços e jantares para Milton Nascimento e para os demais músicos do Clube da Esquina. Por lá também já passaram os apaixonados pelo cinema e cineastas, jornalistas, arquitetos, artistas plásticos, jogadores de futebol, políticos, advogados, poetas e escritores…

Visualmente, a casa mantém muitos elementos de decoração iguais aos de sua data de fundação e da posterior compra por Edmar Roque, empresário que em 1966 a batizou com o atual nome (antes, chamou-se Chopplândia e Trattoria di Saatore). Suas paredes ainda são revestidas por azulejos azuis e brancos e por uma parte de madeira escura (também original, porém restaurada). Ali também estão preservadas as grades em ferro trabalhado, originais em verde escuro, e as garrafas de vinho dispostas em prateleiras no teto.

Em uma de suas paredes, uma fotografia homenageia um dos garçons mais famosos e populares de Belo Horizonte: Olympio Peres Munhoz, um paulista naturalizado mineiro. Ali ele trabalhou. Também foi ali que se tornou no garçom que permaneceu ativo e trabalhando por mais tempo em todo o País. Seu Olympio faleceu em 2003, aos 84 anos, mas está imortalizado no Guiness Book.

Conta-se que, nos anos mais sangrentos da ditadura militar no Brasil, seu Olympio, ao lado das demais pessoas que trabalhavam na casa, criaram um código para driblar os militares. Quando eles estavam na cantina e entrava um militante da esquerda, do Partido Comunista, um estudante ou alguém contra o governo militar, os garçons já o avisavam que naquele dia não tinha o “Filé a Cubana”. Com isso, a pessoa já era avisada que não deveria falar absolutamente nada sobre política, para não ser presa.

Ponto turístico de Beagá, a Cantina do Lucas ainda hoje serve esse prato, mas, agora, sem a conotação política dos duros anos de regime militar, quando recebia os que se sentiam atordoados naqueles pesados tempos de ditaduras na América Latina, quando partidos políticos ou sindicatos pouco valiam e era no bar que as pessoas se encontram para conversar, rir, sonhar e até mesmo para planejar a queda do governo.

Nas mesas da casa, importantes informações políticas foram compartilhadas. Ali muitos foragidos e militantes contrários à ditadura encontraram orientação para obter refúgio (contam que muitos deles ficaram escondidos no sótão da cantina) e até mesmo para conseguir fugir do Brasil. O restaurante era um lugar onde se tomaram decisões que repercutiram na vida das pessoas e até no cenário Política Nacional.

Delícias artesanais – Ao lado do “Filé a Cubana”, o tradicional e sempre renovado cardápio da casa exibe delícias como o “Filé Surprise”, com arroz à piamontese (molho branco, parmesão, champignon, cheiro-verde e arroz branco), filé à milanesa, recheado com presunto e muçarela, banana à milanesa, batata frita e dois ovos fritos. Há, ainda o “Filé à Parmegiana” e a “Costelinha à Mineira”.

O primeiro é um filé à milanesa com molho ao sugo, muçarela, arroz e purê de batata, enquanto a costelinha é frita e acompanhada por tutu de feijão, torresmo, ovo, linguiça, arroz e couve. Também fazem parte do cardápio da cantina os peixes (incluindo o salmão e o bacalhau), as aves, as saladas, os cremes e as sopas, as massas e as sobremesas.

A cantina tem no seu cardápio itens que fazem sucesso desde a inauguração, há 59 anos. “Nossos molhos, nossas massas e nossos pratos são feitos artesanalmente, com produtos bem frescos, pois queremos assegurar o sabor e a qualidade das refeições que servimos”, diz Antônio de Aguiar Mourão, gerente da casa há mais de 20 anos.  As refeições à la carte dão e sobram para saciar o apetite de duas pessoas.

As opões do cardápio incluem ainda os pratos individuais (menu batizado de Luquinha).  Imperdíveis petiscos e bebidas acompanham os animados happy hours que agitam, nos finais de tarde, o histórico Edifício Maletta, prédio onde foi instalada a primeira escada rolante da cidade. História e histórias é o que não faltam para contar a fascinante trajetória dessa tradicional cantina belo-horizontina, uma legítima representante da boemia mineira e símbolo da resistência política. É ir e conferir!

SERVIÇO

Cantina do Lucas: Av. Augusto de Lima, 233, lojas 18/19, Edifício Arcângelo Maletta, Centro, Belo Horizonte (MG), tel. (31) 3226-7153, site: cantinadolucas.com.br. Funciona de segunda-feira a domingo, de 11h30 às 23 horas (restaurante). E de segunda-feira a domingo, das 11 horas às 22 horas (delivery).

Texto por:  Fabíola Musarra. A jornalista viajou com cobertura de seguro GTA.

Fotos: Divulgação

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