O que a busca por ryokans, no Japão diz sobre a globalização do turismo?
Centenas de anos atrás, elas eram um lugar para nômades samurais japoneses descansar seus membros e refletir. Mas nos dias de hoje, um ryokan, uma tradicional pousada familiar japonesa que é geralmente voltada para o período da primavera, parece ser a tendência de viajantes que chegam ao país anualmente – principalmente, com o aumento de passagens aéreas diretas entre a América Latina e a Ásia.
Muitas delas possuem serviços modernos, como restaurantes estrelados pela Michelin, toaletes robóticos e luxuosos spas. Hoje, as ryokans já são parte de um imenso mercado de turistas do próprio país e do exterior interessados na tradição.
Um documento anual da empresa de hospedagem Airbnb sobre tendências de viagem identificou que as ryokans são uma das alternativas mais populares de acomodação no país nipônico, com uma expansão de 600% em reservas no site.
A precisão do fenômeno, apesar de tudo, não é clara: em 2016, a Airbnb foi acusada de deturpar os dados referentes a Nova York por remover mais de 1.000 listagens para fraudar sua pesquisa, enquanto outro estudo da empresa modificou as informações de que regiões de Londres, como Barnet, eram mais populares do que outras mais famosas, como Westminster e Kensington.
Porém, o que parece claro é que os viajantes estão evitando alojamentos convencionais e indo para lugares que focam em experiências incomuns e que sirvam para “desconectar”.
As raízes das ryokans estão supostamente em Nishiyama Onsen Keiunkan, um hotel de primavera em Hayakawa, na prefeitura de Yamanashi, 123 km ao oeste de Tóquio. Fundado em 705 d.C, é considerado o hotel mais antigo do mundo. Os ryokans, no entanto, cresceram no século XVII com o aumento do comércio entre a capital Edo (hoje, Tóquio) e o palácio imperial de Kyoto.
Muitos deles foram construídos ao longo da estrada de Tokaido, que ligava as duas principais cidades da época – e, por isso, se tornaram muito populares entre comerciantes e samurais que passavam pela rota.
Ligados intrinsecamente na cultura japonesa de hospitalidade (omotenashi), os ryokans tendem a ser silenciosos e envolvidos na filosofia oriental Zen, seja através de espaços reservados, da precisão da arquitetura ou da sublime simplicidade da comida servida.
Eles são intimistas e minimalistas – algumas vezes, projetados como pequenos labirintos -, e tipicamente caracterizados por tapetes aromatizados (não se pode entrar com sapatos e os hóspedes devem se vestir com trajes yukata), shojis (portas de papel) e camas macias. Muitos ryokans possuem o tradicional banho onsen, e são geralmente all-inclusive.
No luxuoso Hoshinoya ryokan, no distrito financeiro de Otemachi, em Tóquio, que abriu em 2016, por exemplo, belas louças orientais servem comidas feitas à mão, como o kaiseki (peixe e ingredientes típicos) ou uma sardinha confitada com pele de atum.
O jornal britânico The Guardian publicou recentemente uma lista com alguns dos melhores ryokans do país: entre eles, o Miyamasou, um ryokan que abriga um restaurante com duas estrelas no calendário Michelin, ou o Hiiragiya, com belos jardins, ambos em Kyoto. A cidade ainda abriga o Tawaraya Ryokan, que é administrado pela mesma família há 300 anos.
O fenômeno turístico
Um dos maiores estudiosos do fenômeno do turismo global, o britânico John Urry, morto há dois anos, acreditava que a redescoberta de espaços tradicionais como locais turísticos é parte do fenômeno de globalização do turismo. Para ele, os anos 1990 marcaram uma compreensão espaço-temporal que não existia até então por meio da revolução da internet e dos telefones móveis, que aproximaram as pessoas em uma escala global e permitiram até o surgimento de uma ideia de “morte das distâncias”.
Isso modificou também os modos de viajar das pessoas, já que agora há intersecções entre a viagem física e a virtual, imaginada por meio do telefone e do computador, e novos fenômenos dentro do processo da indústria turística.
A viagem física se expandiu em números significativos na história, fazendo com que as relações entre pessoas pelo mundo também fossem mediadas por fluxos de turistas. Há um imenso consumo de lugares que, para Urry, globalizam também alguns deles: o lobby do hotel, a piscina, a praia e o aeroporto. Isso também fez com que crescesse a reflexão da indústria turística sobre os potenciais de cada lugar na inserção ao mercado mundial, que o autor chama justamente de “reflexividade turística”.
“Essa reflexividade não diz respeito simplesmente a indivíduos e suas possibilidades de vida, mas a um quadro de procedimentos sistemáticos, regularizados e avaliativos que possibilitam que cada lugar monitore, modifique e maximize sua localização na turbulenta ordem global [como aplicativos de celular como TripAdvisor]”, escreveu ele no artigo Globalizando o olhar do turista, de 2001.
Tais procedimentos ‘inventam’, produzem, divulgam e circulam, principalmente por meio da televisão e da internet, lugares novos, diferenciados, repaginados e relacionados a um nicho específico. […] A circulação dessas imagens contribui ainda mais para a ideia do ‘globo'”, completou.
Texto por: Agência com edição
Foto destaque por Istock/ Sean Pavone