No Hipódromo Cidade Jardim, cada detalhe, dos revestimentos ao mobiliário, foi projetado exclusivamente para o edifício, construído nos anos 1940 e considerado o maior complexo Art Déco do mundo
Local abriga peças raras, como poltronas revestidas com lã francesa de Aubusson, desenhadas pelo arquiteto Henri Sajous, mármores da Toscana, e tacos de madeiras nobres como imbuia e jacarandá, evidenciando a sofisticação e o cuidado presente em cada aspecto da construção
O Jockey Club de São Paulo é um marco não apenas do Art Déco — um dos maiores complexos desse estilo no mundo —, mas também de um conceito raramente visto hoje: a “arquitetura total”, em que cada detalhe é planejado para harmonizar com a estética e funcionalidade do edifício.
Desde os revestimentos até o mobiliário, tudo foi criado exclusivamente para o Hipódromo Cidade Jardim, patrimônio histórico e cultural da cidade de São Paulo. Reformulado na década de 1950 pelo arquiteto francês Henri Sajous, o conjunto arquitetônico passa por um minucioso processo de restauração, que busca recuperar suas características originais, muitas delas ocultas pelo desgaste do tempo.
O Programa de Restauro é financiado por incentivo fiscal através da Lei de Incentivo à Cultura, que recebeu autorização para captar R$ 48 milhões em 2023. De acordo com Wolney Unes, diretor técnico da Elysium Sociedade Cultural, organização responsável pelo processo, um dos maiores desafios no Jockey Club é recuperar e, quando necessário, reproduzir peças não comerciais.
“O Jockey conta com um acervo de peças com desenho exclusivo para o clube, como dobradiças de cobre, fechaduras, cremonas e puxadores. A restauração exigiu a elaboração de moldes e a busca por fundições artesanais capazes de reproduzir esses itens com precisão. Ainda restam luminárias dos salões sociais que precisam ser recriadas, mantendo a fidelidade ao projeto original”, detalha Wolney.
O especialista em artes e engenharia destaca que essa prática de criação exclusiva, característica da arquitetura total, caiu em desuso. O conceito existe há muito tempo, mas teve seu ápice na época do Art Déco, conceito que defende uma arquitetura não limitada apenas ao edifício, mas também integrando todos os seus componentes interiores, criando uma experiência espacial completa.
“Cada elemento do Jockey foi cuidadosamente criado sob medida — desde os revestimentos e mobiliário até a iluminação, passando por detalhes como portas, esquadrias e obras de arte decorativas. Atualmente, os arquitetos geralmente se limitam ao projeto estrutural, focando nas paredes e volumes e raramente avançam para as demais porções do edifício”, avalia Unes.
Materiais nobres
O Programa de Restauro busca manter os materiais originais da sua construção. No entanto, os restauradores se depararam com alguns desafios. “Originalmente, foram usados dois tipos de madeira nos tacos do mosaico do piso dos salões sociais: imbuia e jacarandá, além de inserções de ipê. Algumas dessas espécies correm o risco de extinção e são, portanto, protegidas. A opção foi selecionar madeiras de espécies próximas em cor e textura”, explica Wolney.
Ele também destaca as poltronas desenhadas por Sajous, cujas peças originais são revestidas com tecido de lã de Aubusson, um vilarejo francês especializado nesse material. Embora os bordados florais já tenham sido reproduzidos com maestria por artesãs do Sul de Minas Gerais, encontrar um tecido equivalente no Brasil é impossível devido aos processos de produção exclusivos na região. Assim, seria necessário encomendar essas peças diretamente da França.
A riqueza dos edifícios do Hipódromo Cidade Jardim também inclui diversos materiais nobres como mármore Calatava, retirado da Toscana, na Itália, de minas vizinhas à cidade de Carrara; cortinas de seda tecidas em Lyon, na França, peças exclusivas fundidas em cobre e painéis com douramento e aplicação de laca chinesa. O espaço conta ainda com 15 esculturas do artista plástico Victor Brecheret.
Curiosidades da construção do Jockey Club:
– Em alguns mármores da Tribuna Social foram encontrados fósseis marinhos de crustáceos e moluscos;
– Durante a construção, materiais como tijolos foram produzidos diretamente no terreno, devido à falta de fornecedores próximos;
– As grades florais nas estruturas metálicas são desenhos inspirados nas folhas do cafeeiro, criadas por Henri Sajous para homenagear os produtores de café que eram sócios do clube;
– A cobertura da Tribuna Social tem um balanço em concreto armado que ainda hoje é o maior de todo planeta: mais de 25 m de vão livre!
Técnicas são repassadas para jovens
Os conceitos de educação patrimonial e as práticas de restauração aplicadas no Jockey Club estão sendo transmitidos a jovens interessados no tema. O Ateliê de Artes e Ofícios oferece também aulas de história da arte, fotografia e marketing. Até agora, 48 pessoas já se formaram, e outras 30 estão participando da quarta turma.
“Essa é a nossa maior turma até o momento. O curso não só forma profissionais capacitados, mas também integra a comunidade ao grande projeto de restauração. O objetivo é manter viva não apenas a história de São Paulo, mas também a do país, dada a relevância histórica e cultural deste patrimônio”, afirma Wolney Unes.
Texto por: Agência com edição
Fotos: Divulgação/ Elysium Sociedade Cultural