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Corralco, lindo no inverno, exuberante no verão

Foto por Angela Manta

Do topo da cratera do vulcão Lonquimay, um deserto de neve se esparrama montanha abaixo em direção à floresta de araucárias milenares, cujos galhos pesados com a neve acumulada imprimem um charme extra à paisagem, diferente de tudo o que eu já vi.  Ao longe, avisto o caminho que a lava vulcânica percorreu durante a última erupção, ocorrida no natal de 1988, marcando a região com um sulco de rochas e areia, e formando dunas negras que contrastam com o branco da neve no inverno. Mais ao fundo está a vizinha Argentina, a vista de 360 graus me permite contar mais sete vulcões na redondeza e realizo que estou na Cordilheira dos Andes.

Foto por Angela Manta

Fico na dúvida entre desbravar a área fora de pista que parte daqui ou descer a pista mais alta do resort e de alto nível de dificuldade. Em uma fração de segundos, alinho meus esquis e inicio a descida a 2400 metros de altitude pela neve fofa, do tipo preferido pelos esportistas: a powder. Céu azul, sol no rosto e vento no cabelo são a combinação perfeita para complementar o momento enquanto a paisagem vai passando pelos meus olhos à medida que ganho velocidade.

Estou no Corralco Mountain & Ski Resort, o único hotel e centro de esqui instalado dentro da Reserva Nacional Malalcahuello-Nalcas, no centro-sul do Chile. Apesar da estação de esqui existir há cerca de dez anos, fruto de uma concessão do governo chileno, Corralco já ganhara fama entre os locais por ser um dos primeiros resorts a abrir a temporada de esqui com abundância de neve e de boa qualidade para a prática de esportes de inverno. Desde o início de junho a meados de outubro, Corralco tem neve de verdade, como diz seu mote.

Mas foi em 2013, com a inauguração do Valle Corralco Hotel & Spa, que o resort iniciou uma nova fase, facilitando a vida dos esquiadores. As opções de hospedagem são escassas e o hotel está tão perto das pistas que alguns esportistas optam em chegar aqui com os esquis nos pés no fim do dia.

Esqueça suas referências de centros de esqui na América do Sul, Corralco é um universo à parte desde o momento em que você desembarca em Temuco, a uma hora e meia de voo decolando de Santiago, capital do Chile. Da janela do avião, vislumbro o relevo montanhoso das cordilheiras, identificando vulcões nevados, pequenos vilarejos e a Rota 5, a estrada que liga o país de norte a sul e faz parte da rodovia pan-americana.

Araucanía pela janela

Chegamos às nove e meia de uma manhã gelada de tempo encoberto, a névoa quase colada ao solo aumentava a sensação de frio. O motorista da van que nos conduziria ao resort aguardava com um sorriso tímido no rosto. Ao perguntar quanto tempo levaria o traslado de carro, confesso que me deu uma certa preguiça ao saber que Corralco está a 120km dali, a cerca de uma hora e meia de viagem.

No entanto, fui surpreendida com a paisagem ao longo do caminho, me distraindo com a beleza e a variedade da vegetação, alternando com vilarejos pacatos. A névoa foi se dispersando e o céu azul aparecendo. Descobri que esse nevoeiro é, na verdade, fumaça proveniente de queimadas. Fazendeiros locais usam essa técnica para dar fim aos restos após as colheitas, preparando o solo para nova plantação, sem nenhuma preocupação com a degradação do meio ambiente e renovação da terra, apesar das tentativas de conscientização do governo.

Foto por Angela Manta

Estamos na região de Araucanía, cujo nome homenageia as araucárias araucanas, espécies endêmicas pré-históricas que testemunham a passagem de gerações e gerações de chilenos enquanto continuam crescendo majestosamente em direção ao céu. Além das araucárias, os álamos, árvores de caule fino e alongado cobertas de folhas amarelas, erguem-se em grupos perfeitamente alinhados, colorindo o horizonte. A região também abriga mais de quinze centros termais de águas quentes e cristalinas, afinal estamos em uma área de oito conjuntos vulcânicos ativos.

Um hotel de montanha cinco estrelas

E foi assim que, de repente, atravessamos os portões da área protegida da  Reserva Nacional Malalcahuello-Nalcas e paramos em frente às escadas do Valle Corralco Hotel & Spa. Não senti o tempo passar! A arquitetura tipicamente de montanha do hotel eco-friendly de apenas dois andares, todo construído em madeira e pedras da região, cercado pela floresta de araucárias, nos convida a entrar.

No interior, duas lareiras de ferro abastecidas com pedras vulcânicas trazem mais aconchego para o amplo salão com decoração minimalista e moderna, chamando atenção para as amplas janelas que se abrem para o vulcão Lonquimay. Estampo um sorriso de satisfação e logo desvendo a primeira incógnita do porquê Corralco é especial. O vulcão, imponente à nossa frente, emana uma energia forte, como se pedisse para ser desbravado.

Somos recepcionadas com toalhas refrescantes antes do rápido check-in, seguido de chá com biscoitos no salão enquanto nossas malas eram levadas à suíte.

Para o hóspede exigente, o hotel disponibiliza 54 quartos completamente equipados, espaçosos e confortáveis, incluindo 4 de categoria superior e 3 suítes. 14 deles são interligados, configurados especialmente para famílias. Os tons pasteis em móveis e artigos de decoração evidenciam ainda mais o entorno lá fora. Você pode escolher acordar com vista do vulcão ou do bosque de araucárias e, acredite, esta é uma escolha difícil. Independente de quantas vezes você já viu neve, sua reação espontânea será fotografar esse cenário singular a partir da enorme janela de seu quarto.

Alta gastronomia

A fome aperta e decidimos almoçar antes de explorar as redondezas. O salão do restaurante está estrategicamente posicionado junto à floresta de araucárias, proporcionando uma vista agradável do exterior através das grandes janelas, como se estivéssemos sentados a céu aberto, em ambiente bastante familiar.

A culinária é destaque em Corralco, com menu inspirado na cozinha local e internacional, elaborado pelo chef chileno Jonathan Elitin. O cardápio muda diariamente e oferece opções para um menu de três pratos: entrada, prato principal e sobremesa. Como entrada, espere encontrar uma sopa, uma salada e frutos do mar, enquanto o prato principal traz a escolha de carne, peixe e massa. A sobremesa, bem, esta é impossível decidir por apenas uma. Vinhos de excelente qualidade, principalmente chilenos, estão disponíveis na carta de bebidas, mas não deixe de provar o drink tradicional do país, o pisco sour.

Feito com o pisco, uma aguardente produzida a partir da uva, o pisco sour tem esse nome por causa das frutas cítricas misturadas à bebida – o limão é o mais clássico. Pergunto se a origem do pisco é chilena ou peruana e percebo a rivalidade existente entre os dois países, quando o bartender responde que sim, o pisco é chileno e é muito melhor que o do vizinho.

Disputas à parte, começamos uma degustação para abrir apetite. Aqui, é hábito colocar frutas frescas para marinar na bebida e incorporar o sabor. Provamos pisco sour de maqui, uma berry semelhante ao mirtilo, normalmente colhida pelos Mapuche, povo local que habitava a região antes da chegada dos espanhóis. Em seguida, de arándano, frutinha vermelha conhecida como cranberry, de paladar mais doce e, para finalizar, pisco de rosa mosqueta, de gosto mais leve e aroma de flores.

Foto por Angela Manta

A degustação não só abriu o apetite como nos deixou mais alegres. Escrutino o menu e escolho para entrada uma sopa de zapallo, espécie de abóbora, com queijo e pão torrado, opção quentinha que combina com o inverno. Entre filé, peixe e massa, prefiro a última, um ravióli recheado de presunto cru com molho e queijo e champignon, de comer rezando. Mas o gran finale é a sobremesa, crème brûlée delicado, com apresentação colorida de marshmallow frutado.

De volta mil anos atrás

Alimentadas e abastecidas, pedimos orientação ao concierge do hotel sobre o que fazer naquele período. Responsáveis por sugerir os passeios, o pessoal tem sempre a melhor ideia conforme o horário, as condições climáticas e o perfil do hóspede, seja para esquiar, praticar esportes de inverno ou conhecer a reserva.

Como já era meio da tarde, fizemos uma caminhada no bosque até a araucária milenar. Daniela, nossa guia e moradora da região, foi nos contando e mostrando como nascem e crescem essas árvores centenárias. Árvore nacional do Chile, suas longas sementes (de 3 a 5 cm) crescem em uma cabeça de pinhão, cada uma contendo de 100 a 150 pinhões, mas apenas as que caem em pé, perpendicular ao solo, fertilizam. As outras são apanhadas no chão e usadas no preparo de diversos pratos locais, inclusive de pisco sour.

As araucárias crescem cerca de 1 cm ao ano, chamadas fósseis vivos por causa de sua longevidade e símbolo de força e resistência por conseguirem sobreviver, ainda jovens, às variações climáticas e ao gelo. Essa medida auxilia especialistas a determinar a idade aproximada de cada árvore e, pelo bosque, contamos exemplares de 400, 600, 800 anos, até chegar à mãe de todas, a araucária milenar, com 1200 anos e medindo cerca de 40 metros de altura.

Quando novas, se assemelham a pinheiros, mas ao se desenvolverem, perdem seus galhos mais baixos, formando sua aparência marcante. A natureza é tão perfeita que as folhas de seus galhos crescem simetricamente segundo o teorema das cascas esféricas, provado por Isaac Newton, tal como acontece com a concha do caramujo.

No caminho de volta, tivemos a sorte de avistar a raposa conhecida como Zorro, mamífero conhecido da região andina. Solitária, tem pelo cinza ou amarelado e chega a pesar 12 quilos. Quando nos viu, mudou a direção e desapareceu entre a vegetação.

Em razão da altitude, o sol se põe cedo atrás do vulcão em Corralco, por volta de quatro e meia da tarde. Assistimos ao poente enquanto regressávamos e aproveitamos o resto do dia para conhecer o SPA.

Descanso merecido

Foto por Angela Manta

O espaço abriga um fitness center completo, sala de relaxamento, piscinas cobertas e uma grande jacuzzi, todas com imensos janelões exibindo o entorno e Lonquimay ao fundo. A piscina externa fica à espera de banhistas durante o verão.

Permita-se fazer uma massagem relaxante com uma especialista e depois mergulhar na piscina aquecida e iluminada, enquanto escurece lá fora. Senti a paz e a serenidade tomar conta de mim. Definitivamente esse será o lugar para onde você desejará regressar todos os finais de tarde após as atividades do dia.

Caso ainda seja cedo e sua família ainda tenha energia, o hotel conta com uma sala de jogos, que inclui jogos de mesa e de tabuleiro e uma sala de cinema para 25 pessoas. Aliás, este é o público cativo de Corralco: famílias e casais da América do Sul curtem a tranquilidade e a infraestrutura do lugar. Não espere encontrar festas noturnas e badalação, apesar do concierge do hotel ter sugestões na redondeza para quem prefere agitação.

Revigorada e com fome, sigo para o restaurante e me surpreendo com a música que vem do bar. Não acreditei quando vi dois músicos tocando e cantando ao vivo, ao som de violão, saxofone e teclado, a lareira crepitando no saguão ao lado, cenário ideal para beber um vinho tinto chileno antes do jantar. Satisfeita com outro banquete após o fim do show, a cama quentinha me abraça para uma boa noite de sono.

Dia de esquiar

No dia seguinte, acordo com a paisagem pintada de branco, me inspirando a levantar para estrear os pés nos esquis, não meus, mas alugados. Após um farto café da manhã, uma minivan me leva até a escola, na base do centro de esqui. Ali é possível alugar esquis para os diferentes níveis, snowboards e raquetes de neve, além do jogo completo de roupas impermeáveis, todas da marca Columbia.

Seis ski lifts atendem 29 pistas para todos os níveis de expertise e permitem acesso à área para esquiar fora de pista. Corralco é considerado o melhor destino para aprender o esporte. São dez pistas com 50m de largura sem obstáculos naturais, com inclinação confortável para os iniciantes. Resolvo então a segunda incógnita sobre o favoritismo de Corralco: as pistas são bem largas e vazias, principalmente de segunda a sexta-feira, e você se sente dono delas, no sentido literal da palavra. Aos finais de semana, há mais movimento com clientes que vem apenas passar o dia, mas ainda assim você desce livremente e não enfrenta filas nos lifts. Como o resort está distante das grandes cidades, o espaço fica praticamente exclusivo aos hóspedes.

Foto Divulgação

No programa “Aprende aqui, Aprende bem”, instrutores experientes e renomados te ensinam a esquiar em duas horas e você já consegue se divertir nas pistas iniciantes, afirma Andres, o diretor da escola. Com mais de 20 anos de experiência, Chino, como é mais conhecido, já deu aulas nos centros de esqui mais famosos e treinou estrelas de Hollywood e artistas globais.

Pensando na inclusão, oferece aulas específicas para idosos, deficientes e crianças. Estas últimas possuem uma atenção especial na mini-escola Corralco; enquanto os pais praticam o esporte, os pequenos ficam sob os cuidados da carinhosa equipe e os ensinam a dar os primeiros deslizes no esqui. Outra opção, é deixa-los por conta do time de monitores no espaço infantil localizado dentro do hotel. E a novidade do ano é o Tubing, uma boia que desliza na neve, divertidíssimo.

Esportistas experientes são atraídos pelo melhor tipo de neve, a powder, e desafiados nas pistas mais altas de grande inclinação ou saem para explorar áreas fora de pista. Com a aquisição de um novo Park Bully, este ano Corralco passa a ter um Snow Park de qualidade superior, para deleite dos praticantes de free style. E se você prefere variar as atividades, o hotel oferece randonée, saídas em raquetes de neve, excursões em motos de neve e até a prática de snowkite.

O restaurante Zorro con Botas, em homenagem à raposa nativa, está localizado na base do centro de esqui. Oferece pratos generosos e bem finalizados para uma pausa durante o almoço ou lanche, para quem pretende passar o dia inteiro esquiando.

Além do inverno

Fora da temporada de esqui, Corralco se transforma em uma paisagem surreal quando a neve derrete. As estações do ano bem marcadas possibilitam conhecer diversas faces da Reserva Nacional Malalcahuello-Nalcas. Nas altitudes mais baixas, trilhas levam a lagoas e cachoeiras de água cristalina em caminhadas que cruzam bosques de pinheiros e araucárias. No outono, a vegetação se colore de tons amarelos, alaranjado e vermelho

Um passeio de três horas a partir do hotel leva à bela Laguna Pehuenco onde cai água de uma cachoeira. No verão, uma atividade imperdível é passar a manhã fazendo caiaque no Rio Cautín, que nasce perto do hotel. Ciclistas podem pedalar por uma antiga estrada de trem desativada e transformada na Ciclovia de Malalcahuelo, cruzando paisagens incríveis e atravessando túneis.

O Rio Cautín acompanha a estrada e pelo caminho suas águas passam por diversas cachoeiras para banho, como Salto de la Princesa e Salto el Índio. Faça o percurso com um guia local para conhecer a lenda da princesa Rayen que namorava um chileno contra a vontade do pai, cuja intenção era casar a filha com um índio mapuche, e acabou em tragédia.

Aproveite que está no vilarejo e pare no Café Aleman, uma cafeteria que serve sanduíches alemães produzidos artesanalmente pelo casal europeu que se apaixonou pela região e decidiu morar aqui. Para uma refeição mais robusta, almoce no Las Terrazas, restaurante com menu especializado em carnes de caça, e fãs de massas tem a opção de saborear os pratos do cardápio italiano do Entre Cerros.

Por causa do solo vulcânico, areia e rochas negras contrastam com o branco da neve nas partes mais altas. Encerre sua viagem percorrendo a trilha que leva ao cume da Crater Navidad, que surgiu quando o Lonquimay entrou em atividade no dia 25 de dezembro de 1988. Não houve erupção e o magma levantou a crosta terrestre, criando a cratera. Me senti no mundo mágico de biscoitos de chocolate recheados de creme, um cenário único que trago de referência como um dos mais admiráveis e inusitados onde já estive e, assim, desvendei a terceira incógnita de Corralco: a beleza da composição da natureza onde o resort está inserido.

Vá logo enquanto as hordas de turistas ainda não o descobriram.

Como chegar

A melhor maneira de chegar a Corralco é de avião via Santiago. Quatro voos domésticos partem da capital chilena diariamente para Temuco, operados pelas companhias aéreas Lan Express e Sky Airline. Dali são mais 120 quilômetros de carro ou van até o centro de esqui, percorridos em uma estrada linda. O serviço pode ser contratado à parte diretamente com o hotel.

Onde ficar

Corralco Mountain & Ski Resort

Texto por: Adriana Lage

Foto destaque por Angela Manta

 

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