Os três idiomas mais falados no Cairo: o árabe, o inglês e o “buzinês” – o dialeto preferido dos seis milhões de veículos que se esgoelam diariamente por entre enormes avenidas da metrópole em busca de um lugar ao trânsito. A vibrante metrópole egípcia se comunica em número, gênero e beeps
Lembra um pouco Nova Deli, na Índia. Não com a mesma intensidade, claro. Com o passar do tempo o turista se acomoda às cenas do cotidiano da cidade: o beep-beep constante dos automóveis, a naturalidade (assustadora) de se atravessar avenidas sem faixas de pedestre, motociclistas sem capacete, cartazes sorridentes, calçadas invadidas por lojas, o lixo, o cinza dos prédios, o engraxate na calçada.
Em meio ao improviso do trânsito, as grandes avenidas levam turistas de forma decisiva a pontos distintos surpreendentes. No centro da cidade do Cairo, a Praça Tahrir, chamada também de a “Paris no Nilo”, ganhou fama em 2011 ao reunir milhões de manifestantes em protestos que culminaram na derrubada do presidente Mubarak. “O primeiro chamado se deu inicialmente numa rede social. Era pra ser em protesto contra ações da polícia. No segundo dia, o número de manifestantes cresceu muito acima do esperado e, no terceiro, já eram dois milhões, pondo fim a um governo de 30 anos”, relembra Bassam El Sweffi, guia turista egípcio. A partir de então, o número de turistas em todo o Egito caiu como o trânsito na cidade durante o Ramadã. Algumas medidas paliativas, na opinião de Sweffi, poderiam dar carona de volta aos turistas brasileiros ao país, como voos diretos São Paulo – Cairo e até mesmo novelas do Oriente Médio. O guia turístico também acredita na força dos novos roteiros religiosos e da hospitalidade.
“Faz parte de qualquer cristão, evangélico ou católico, visitar a Terra Santa. Muita coisa começou no Egito, como Moisés, o episódio da Salsa Ardente e a fuga da Sagrada Família de Herodes. Um terço do mundo começou aqui. Há vários templos como o de Luxor, o de Abu Simbel, escavado na rocha a 50 quilômetros de fronteira com o Sudão, além de cruzeiros pelo Nilo entre Luxor e Aswan, Alexandria, de Alexandre Magno. O Egito não é só história de estátuas antigas. Aqui tem praias lindas, bom clima, povo amado, cultura, tudo isso”, conclui.
Ao redor da praça Tahrir, prédios modernos e a marcante proximidade do mais importante Museu Egípcio do mundo, o museu do Cairo, acentuam a dimensão histórica local e nacional.
O Grande Cairo concentra cerca de 20 milhões de moradores. A noite, a cidade se transforma. A alegria contagiante da hospitalidade árabe está presente em bares flutuantes, música animada, bebidas e narguile – charmoso cachimbo de água do qual se fuma tabaco aromatizado. “A vida noturna é muito interessante. De manhã se visita o antigo e à noite, o moderno. A cidade é cosmopolita, por isso é natural esse contraste” diz Swueffi. A volta da normalidade institucional gerou mais segurança, o que também deve ajudar a atrair os turistas brasileiros. “As pessoas também podem andar a vontade no centro do Cairo até meia-noite, se quiser”, assegura Sweffi.
Outros bairros modernos como Ma’adi e Heliópolis – um distrito mais velho, de alta classe, projetado por um arquiteto belga, seguem o mesmo ritmo de modernidade. A região central é composta pela Cidade Jardim, o Cairo Islâmico e o Centro Histórico, onde se encontram a turística a Cidadela, a famosa “Mesquita de Alabastro” de Mohamed Ali, o Khan el Khalili (Grande bazar ou souq).
No Old Cairo, ao sul do centro da cidade, a influência da arquitetura francesa se faz presente em diversos edifícios.
Cairo é melhor no outono e na primavera, quando o clima não é tão quente. De maio a setembro, o calor é mais intenso. Durante o dia a temperatura pode chegar a 47ºC, porém, as noites são frescas. Para o turismo, o período de alta estação, a partir de setembro, apresenta temperaturas amenas: no Cairo elas variam entre 20 e 25ºC.
A cidade também apresenta ótima infraestrutura de hospedagem e lazer. Em áreas de luxo como Gezira e Zamalek, na ilha de Gezira, se encontram hotéis de luxo, a Torre do Cairo, o Ópera House, bem como bons shoppings, restaurantes, e o Gezira Sporting Club.
Uma semana no Cairo é tão insuficiente quanto um beep-beep no meio de seis milhões de carros no trânsito.
Apenas “one dólar”
No disputado mercado Khan el Khalili, os dezenas de quarteirões transformam o Grande Bazar num labirinto cheio de ruelas repletas de lojas e turistas. Tudo, a preços bem populares
No Khan el Kalili há de tudo um pouco: desde artigos piratas chineses, passando por especiarias, perfumes, tapetes, roupas típicas, brinquedos e até. peças de latão, prata e ouro. São cerca de mil lojas estabelecidas nos diversos quarteirões de ruas e ruelas estreitas.
A área mais importante de compras da cidade representa uma tradição surgida em 1382, quando o emir Burjida Dyaharks el-Jalili construiu um restaurante voltado para atender ambulantes.
Hoje em dia vendedores disputam clientes como se não houvesse amanhã: “one dólar”, gritam eles.
A arte de negociar às vezes chega à beira da inconveniência. Márcio Bessa, empresário brasiliense no segmento de turismo, sabe bem o que significa negar a um comerciante a arte de negociar:
“Como eu não queria comprar o produto eu coloquei $1 no bolso de um deles. Ele ficou revoltado com a minha atitude. É daí que se percebe o quanto negociar significa para eles”, conclui.
Nos últimos anos esse significado se tornou mais do que arte de ganhar dinheiro. Trata-se de uma questão de sobrevivência em meio a crise vivida pelo país após a derrubada do presidente Hosni Mubarak, em 2011. Desde então, diz o guia turístico Bassam El Swefi, a queda de turistas no pais foi drástica: de cerca de 17 milhões para, no máximo, três milhões.
O Grande Bazar tenta se recuperar desse impacto. Enquanto o centenário café-restaurante chamado Maguib Mafouz apresenta uma proposta de atendimento cortês e elegante, de decoração ao melhor estilo árabe, há ruelas inteiras de produtos chineses. No animado festival. de ofertas e procuras, Hussein Salem Awwad é mais uma voz em meio a outros vendedores em busca de atenção. Mesmo formado em Arte e Literatura, o comerciante de 48 anos de idade vive há 28 numa banca vendendo pequenas esculturas do busto de Nefertiti, pirâmides e escaravelhos de alabastro, entre outros diversos souvenires.
O salário mensal varia entre 2.000 e 2.500 Libras Egípcias, algo equivalente a até 250 dólares. “É possível viver com isso”, assegura. A respeito do impacto econômico causado pela revolução de janeiro de 2011, Hussein, como bom negociante, não se arrisca: houve prós e contras. “Para os empregados, o salário aumentou, a vida melhorou. A segurança ainda deixa a desejar, mas, em geral, a violência ocorre em locais desérticos. Os dois primeiros anos foram difíceis, agora já começa a melhorar”, opina.
No Khan el Khalili, “one dolar”, pode significar o limite entre o prazer de um novo negócio e a indiferença de vários turistas.
Museu do Cairo: o maior tesouro do Egito
O centenário Museu do Cairo mal cabe dentro de si de tanta riqueza, mesmo com grande parte dos tesouros saqueada dos túmulos dos faraós. O que está exposto tem valor incalculável: esculturas, sarcófagos e objetos decorativos.
Cairo também vive do passado. Embora a desorganização do Museu do Cairo (felizmente) não siga no mesmo ritmo do trânsito, as críticas da falta de conteúdo informativo e da disposição das peças perdem força diante de sua tamanha riqueza histórico-cultural.
Anualmente, mais de dois milhões de visitantes se aventuram em busca do fascínio e dos mistérios da civilização de mais de três mil anos antes de Cristo. Um lugar mágico, onde a condensação dos restos da grande civilização faraônica forma a maior mostra mundial da cultura antiga – cerca de 20 mil objetos, dispostos entre largas e sucessivas galerias e salas, vitrines e ataúdes.
O mergulho no passado revela histórias fascinantes. Um dos mais valiosos tesouros do museu: a múmia de Ramsés II e a máscara de 24 quilos de ouro maciço de Tutancâmon – faraó que viveu por volta de 18 anos. Do lado de fora da sala, destaque para três enormes caixões que protegiam seu corpo dentro do sarcófago, dois de madeira com cobertura de ouro e o terceiro, que revestia ambos, de 296 quilos, de ouro maciço. Em ambas as salas é proibido tirar fotografias. A maior riqueza do Egito, seguramente, é seu passado.
As mesquitas do Cairo
No interior das mesquitas do Cairo, as orações e o modo de viver ecoam pelo tempo. Algumas também acolhem turistas não -muçulmanos.
Durante cinco vezes por dia se ouve, de algum lugar do Cairo, o chamado muçulmano para a oração. No Egito, mais de 90% da população pratica a fé por meio da religião Islâmica. Existem cerca de mil mesquitas em todo o Cairo, porém, apenas três delas estão abertas para visitação pública: a de Muhammad Ali, a do Sultão Hassan, construída em 1357, e a de Al Rifai (1361). A primeira, também conhecida como a de Mesquita de Alabastro, tem em seu interior o túmulo de mármore de seu fundador, assim como a Al Rifai. Em mesquitas não turísticas somente muçulmanos podem ter acesso. Para isso é preciso antes passar pela etapa de purificação: lavar três vezes as mãos, os braços, o rosto, as orelhas e as pernas.
Ao entrar no templo deve se pisar primeiro com a perna direita e pronunciar “Salamaleico” (que a Paz de Deus esteja sobre vós). Os fiéis acreditam que os anjos do templo respondam “Alaikum As-Salaam” (e sobre vós a paz). Existem algumas restrições religiosas para mulheres. Em período de menstruação elas não participam do culto e nas mesquitas também ocupam espaços diferenciados, sempre atrás dos homens, evitando assim, que eles se desconcentrem.
O eco dos cânticos no interior do templo é bastante amplo e transmite profunda sensação de paz, tanto quanto a música que se espalha pela cidade, cinco vezes por dia.
O Ramadã e os turistas
De manhã, o comércio inteiro da cidade se encontra fechado para os cerca de 8 milhões de habitantes do Cairo. O movimento dos veículos cai drasticamente durante o dia. Esse “fenômeno” só ocorre em meses de Ramadã. A festa, no Cairo, explode em luz, som e calor humano durante a noite, quando toda a cidade pareceu combinar de sair ao mesmo tempo. Vendedores de milho assado e de chá tomam conta das ruas. O horário de trabalho se resume entre 11h e 14h. A festa celebra a revelação do Alcorão, o livro sagrado do islã, ao profeta Muhammad, no século 7. O jejum é um dos cinco pilares do islamismo exigido a muçulmanos praticantes. A exceção se dá a mulheres grávidas, que precisam se alimentar normalmente, e aos doentes, por motivos óbvios, bem como idosos e crianças. Durante o dia o fiel deve se abster de sexo e também praticar boas ações.
Portanto, quem visita o Egito durante o Ramadã precisa saber que os muçulmanos tiram a tarde para repousar, a noite para sair e só voltam a dormir de madrugada. Mas os turistas não precisam se preocupar: o consumo de bebidas alcoólicas e horários para refeição durante o Ramadã não se aplicam em hotéis. No mais, o ritmo é também uma ótima oportunidade se vivenciar com respeito a cultura muçulmana.
Jesus e Moisés estiveram aqui
Uma Sinagoga e uma igreja cristã copta demarcam o local onde somente o tempo separou dois grandes líderes religiosos: Jesus e Moisés
Não é possível saber ao certo se estamos num corredor ou em uma ruela apertada do bairro Copta, com lojas, capelas e casas. Depois de aproximadamente 200 metros de caminhada, a passagem o corredor se vira a direita e, ao fundo, mais 50 metros adiante, a placa finalmente indica a chegada a pequena igreja de Abu Serga, construída no século V.
Nivelada abaixo do piso da calçada, Abu Serga tem seu telhado na forma da arca de Noé sustentado por 24 colunas de mármore ao redor do tribunal central e uma série de ícones do século XII dos 12 apóstolos. Porém a maior de suas atrações está, na verdade, escondida. No interior da igreja há uma caverna onde, de acordo com a tradição, a Sagrada Família – Jesus, Maria e José, teriam se refugiado por três semanas, como parte da longa fuga dos soldados de Herodes.A fuga da Sagrada Família para o Egito é um ótimo roteiro turístico para os cristãos: 17 lugares no Egito por onde teriam ocorridos relatos extraordinários de Jesus, ainda menino, foram mapeados.
Sinagoga de Ben Ezra
Ben Ezra viveu no século XII. A Sinagoga em sua memória teria sido comprada pelo próprio rabino, natural de Jerusalém. Localizado atrás da Igreja de Abu Serga, o local sagrado foi construído em 882, supostamente no lugar onde havia uma igreja cristã copta. Cercada por muros altos, a construção, sagrada para os judeus, guarda mais do que as imponentes colunas que se elevam de seu piso de mármore até o teto e as paredes de madeira com detalhes em marfim. Nela se encontra a mikvah – a suposta nascente onde a filha do faraó achou Moisés numa arca de junco. Acredita -se que o bairro Copta, onde estão os dois templos religiosos, era antes rota do rio Nilo. Mais de 200 mil fragmentos de pergaminho encontrados na sinagoga em 1860 continuam sendo estudados em diversas universidades.
A guerra Árabe – Israel, em 1948, reduziu o número de 75 mil moradores judeus no Egito para, de acordo com o Guia Egypto, do Lonely Planet, cerca de 700.
O bairro Copta convida a reflexões históricas importantes: a infância de Jesus e Moisés habitou no mesmo espaço geográfico e foi separada somente pelo tempo: 860 anos. Por ali, dois dos mais importantes líderes religiosos brincaram ainda crianças, sem a presença das grandes paredes que hoje separam os dois templos.
Como chegar
A Empresa Aérea Ethiopian Airlines realiza voos frequentes de São Paulo ao Cairo com escala em Adis Abeba.
Onde ficar
Four Seasons Hotel Cairo at Nile Plaza
Cairo Marriott Hotel & Omar Khayyam Casino
Onde comer
Confira a matéria completa em: qualviagem.com.br/Revistas/edicao34
Texto por: Pedro Teixeira
Foto destaque por Istock/ meatbull