A primeira vez que estive em Berlim – e na Alemanha -, confesso que fiquei um pouco assustado com a cidade. O famoso Muro tinha acabado de ir ao chão e o friozinho do final de outubro deixava tudo nublado e sem cor. Era a minha primeira viagem à Europa e fiquei com essa impressão durante anos. Até que no início dos anos 2000, por obrigação profissional passei a viajar anualmente para cobrir a maior feira de turismo do mundo, a ITB Berlin. Tudo mudou e passei a adorar a vibrante capital alemã. Durante mais de 10 anos aprendi a gostar, entender e curtir muito esse destino de múltiplos encantos.
Descobri que ela é diferente de outras grandes cidades do mundo por ser extremamente dinâmica, mas sem deixar para trás as suas tradições e história. A reunificação das partes Ocidental e Oriental trouxe muitas mudanças e um novo desenho do cenário urbano local. Durante décadas, o famoso Portão de Brandemburgo foi o símbolo da separação. Hoje simboliza a reunificação alemã e é, sem dúvida, o principal ponto turístico. Imponente e lindo, seja dia ou noite. Lugar para não economizar nas fotos.
Apesar das marcas de um passado tão recente, não esconde isso com vergonha, muito pelo contrário. Seus 12 distritos abrigam pessoas de 180 nações diferentes, o que o torna um destino especialmente multicultural. Cheia de contrastes, modernidade e história convivem em perfeita harmonia. Cidade mais visitada da Alemanha, Berlim tem mais de 800 anos de história e, por isso, oferece muita coisa para ver, fazer e comer.
ARTE, CULTURA, ÁREAS VERDES E CRIATIVIDADE
Dá para conhecer e fazer muita coisa andando a pé em Berlim, porém, se preferir, uma boa opção é alugar uma bike. A cidade conta com mais de mil quilômetros de ciclovias muito bem sinalizadas. Há inúmeros postos de locação, a maioria nos bairros de Berlin-Mitte, Friedrichshain, Kreuzberg ou próximo da estação ZoologischerGarten.
Comece o seu tour pela conhecida Alexanderplatz, praça onde está o Weltzeituhr, relógio com o horário mundial e ponto de encontro dos berlinenses. Próximo dela está outro ícone local, a Torre de Televisão (Berliner Fernsehturm). Com 368 metros de altura proporciona uma vista incrível da cidade.
Construída na década de 1960 na antiga Alemanha Oriental, a famosa torre atualmente é símbolo da história e de tecnologia alemã. Sua principal atração é o restaurante Sphere, que gira em torno do próprio eixo. Difícil é conseguir uma reserva junto às janelas. Recebe mais de 1,3 milhão de turistas anualmente e a fila de espera pode chegar a até 4 horas na alta temporada. O pacote VIP Berlin Exclusive possibilita atendimento personalizado com hora marcada, subida prioritária e sem filas, além de almoço ou jantar no restaurante.
Um outro local com maravilhosa vista panorâmica da cidade é o topo do Panoramapunkt, o edifício com o elevador mais rápido da Europa – sobe 24 andares em 20 segundos.
Nas proximidades da Torre de TV está o Gendarmenmarkt, considerado por muitos como o lugar mais bonito de Berlim. O conjunto reúne a Catedral Alemã (Deutscher Dom), a Catedral Francesa (Französischer Dom) e a sala de concertos Konzerthaus.
Apesar de ser uma das grandes metrópoles do mundo, a capital alemã é um destino com muitas áreas verdes. São muitos os parques espalhados pela cidade. O maior deles é o Tiergarten.
O lado ocidental da cidade é caracterizado pelas modernas butiques e requintadas galerias, bem como os bairros nobres e, claro, a famosa vida noturna berlinense. A Kurfürstendamm – chamada pelos locais de Kudamm – é a principal e sinônimo de avenida urbana elegante. É nela que está a loja Kaufhaus des Westens, mais conhecida como KaDeWe.
Mistura de entretenimento, compras, restaurantes e cultura, o Potsdamerplatz apresenta variedade arquitetônica e ampla gama de eventos. Os muitos pontos turísticos nas imediações fazem desta área uma atração central para os visitantes. Ali se encontra o Sony Center, onde ocorrem todos os anos o Berlinale – Festival de Cinema de Berlim. Deste ponto, descendo a Leipzigerstrasse até a Friedrichstrasse, está uma das principais ruas de compras da região.
No centro está o Hackesche Höfe, a maior área fechada de pátios na Alemanha. Centenas de ateliês nasceram em pátios internos. A arte tomou conta das ruas, das paredes das casas, de bairros inteiros. Protegida como Patrimônio Histórico desde 1977, o lugar tem atmosfera descontraída, leve e relaxante. O bairro reúne uma mistura variada de galerias de arte, cinemas, teatros, bares, restaurantes e bistrôs, lojinhas simpáticas e lojas de grandes marcas. Nessa região é possível sentir ainda mais de perto o charme criativo que hoje, quase 28 anos após a queda do muro, caracteriza a cidade.
E as ruínas do muro, é claro, são uma espécie de referência para mais de 20 mil artistas plásticos. Eles influenciam o astral e o ambiente, tornando a cidade um polo que atrai tanto artistas alternativos como os famosos. Formam uma espécie de enciclopédia da arte de rua (street art), com destaque para a East Side Galley entre a ponte Oberbaumbrücke e a estação Ostbahnhof. Ela é a mais longa seção sobrevivente do Muro de Berlim, onde mais de uma centena de artistas de mais de 20 países decoraram o trecho de 1,3 quilômetro da muralha com suas obras de arte urbana. Entre os destaques está “The Mortal Kiss” de Dmitri Vrubel, que mostra um beijo entre Erich Honecker e Leonid Brezhnev.
GUERRA FRIA E DIVISÃO ENTRE OCIDENTE E ORIENTE
Entre as atrações que marcaram a história alemã e que merecem uma visita estão o Parlamento Alemão (Palácio Reichstag), que tem como destaque a Cúpula de Vidro que só pode ser visitada com reserva prévia; e o Checkpoint Charlie, uma das fronteiras mais conhecida dos tempos da Guerra Fria. O local tinha um aviso que informava em alemão, inglês, russo e francês: “Você está saindo do setor americano” – símbolo da divisão de Berlim. Até a queda do muro, em 1989, representava a demarcação entre o Ocidente e Oriente, Capitalismo e Comunismo, liberdade e confinamento.
Para conhecer um pouco mais sobre o passado de Berlim não deixe de visitar o museu Story of Berlin, que aborda de forma interativa mais de oito séculos da história local. Situado na Av. Kurfürstendamm (dentro da Kudamm Karree, entre as vias Uhlandstraße e Knesebeckstraße), é possível se ter uma boa noção desde os primórdios em 1237. Funciona em esquema bilíngue (alemão e inglês), mas há funcionários que falam outros idiomas, inclusive o português. O tour é finalizado com a visita guiada por um dos 20 bunkers (abrigo antiatômico) que a cidade possui. Uma experiência curiosa e marcante. Funciona diariamente, das 10h às 20h (última visita ao bunker às 18h).
Sobre o período de dominação nazista há duas opções interessantes: o The Topography of Terror, um memorial instalado na antiga sede da polícia secreta nazista, a Gestapo; e o DDR Museum, que mostra o estilo de vida comunista na Alemanha Oriental por meio de artigos e objetos como produtos típicos, roupas e brinquedos.
Localizado nas imediações do Portão de Brandemburgo, em direção a Potsdamerplatz, o Memorial do Holocausto é uma homenagem aos 6 milhões de judeus mortos durante o regime nazista. O projeto do arquiteto nova-iorquino Peter Eisenman apresenta 2.711 blocos de concreto cinza escuro distribuídos em fileiras paralelas sob uma superfície ondulada. Não contêm nenhum texto, nome ou foto. Impossível não ficar emocionado.
Outro ponto importante é a Rotes Rathaus (Prefeitura) com fachada marcante e considerada um dos cartões-postais da capital alemã. Tem este nome por conta dos tijolos avermelhados utilizados na sua construção. Observe que na altura do primeiro andar há um friso chamado de “crônica de pedra”, com 36 relevos em terracota que narram acontecimentos da história de Berlim e Brandenburgo do século 12 até 1871. Em frente ao edifício está a Fonte Netuno (Neptunbrunnen), uma das mais antigas da cidade.
Às margens do Rio Spree está a região conhecida como Ilha dos Museus composta por cinco prédios, que, juntos, abrigam obras e peças de 6 mil anos. Por esse motivo é considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O principal destaque é, sem dúvidas, o Pergamon – dividido em Coleção de Antiguidades Clássicas, Museu do Antigo Oriente Médio e Museu de Arte Islâmica. Porém, antes de entrar em qualquer um deles não deixe de contemplar a bela Catedral de Berlim (Berliner Dom) com monumentais 114 metros de comprimento e 116 metros de altura, se destacando na paisagem.
Um dos locais mais visitados de Berlim, o Palácio Charlottenburg tem como destaques os quartos do rei Friedrich I e de sua esposa, a rainha Sophie Charlotte, uma incrível Galeria de Ouro (Goldene Galerie) e a Sala de Porcelana (Porzellankabinett), que mostram muito sobre a história da Alemanha. Possui estilo barroco e foi construído entre os anos de 1695 e 1699. Uma vez lá vale tirar um tempo para apreciar e caminhar pelos seus belos jardins.
ESPIONAGEM E LUGARES SECRETOS
Durante o período da Guerra Fria, a espionagem era prática comum entre as Alemanhas – Oriental e Ocidental. Na cola de James Bond e Mata Hari, o Spy Museum, na Leipziger Platz, é o único com essa temática no país e leva os visitantes em uma viagem pelo mundo dos espiões – dos pesquisadores bíblicos aos informantes do século 21. Com 3 mil metros quadrados de área de exposição e dividido em 14 espaços tematizados, reúne mais de 300 itens, como, por exemplo, uma máquina de criptografia original, que enviava e decifrava mensagens secretas e codificadas durante a Segunda Guerra Mundial. Para se sentir um verdadeiro 007, os visitantes podem experimentar atravessar salas desviando de feixes de laser.
Já os lugares esquecidos e desconhecidos da cidade são o foco do Secret Tours Berlin, que, desde 2015, leva turistas em passeios realizados em confortáveis limusines e com guias falando alemão e inglês. Entre os “lugares secretos” estão a Rua Kurfürstendamm que começa somente no número 11; a antiga residência da atriz Romy Schneider; a pequena ilha Schwanenwerder, no lago Wannsee; os conjuntos de mansões em Grunewald e Wannsee com histórias sobre os antigos casarões e seus ricos proprietários; e, por fim, ao local onde eram trocados os espiões à época da Guerra Fria: a ponte Glienicker.
MÚSICA CLÁSSICA, ÓPERAS E CABARÉ
Quem gosta de música clássica chegou ao lugar certo. Assistir a uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Berlim (Berlin Phil), considerada uma das melhores do mundo, é um dos programas culturais mais concorridos da cidade. Mas é preciso adquirir os ingressos com bastante antecedência. Se não conseguir os tíquetes uma dica é ir até a afamada Sala Philharmonie, na terça-feira, às 13h, e assistir a uma apresentação gratuita realizada no foyer por estudantes de música e também músicos profissionais.
Em 2017, a cidade recebeu de volta um pedaço importante do bairro histórico de Mitte, a Ópera Staatsoper Unter den Linden. Localizada na Rua Unter den Linden, em frente à Universidade Humboldt e à Nova Casa da Guarda, ela reabriu após 3 anos de obras. O edifício de quase três séculos foi amplamente reformado e adaptado aos padrões modernos de casas de ópera do mundo. A reabertura foi celebrada com “Cenas de Fausto, de Goethe”, de Robert Schumann. Foi a primeira da cidade e segue sendo a principal construção teatral local.
Em uma viagem à capital alemã não pode faltar uma noite no Friedrichstadt-Palast, o maior teatro de variedades do país. Puro luxo, apresenta uma profusão de luzes, cores, efeitos e figurinos. Os shows nesse que é que um dos cabarés mais famosos e antigos da cidade mostram muita pompa e glamour. A casa é rica de história e cheia de reviravoltas, que se reinventou múltiplas vezes.
GASTRONOMIA VARIADA E CERVEJAS DELICIOSAS
Outro ponto forte de Berlim é sua gastronomia, que vai muito além das tradicionais salsichas (wursts). A cozinha internacional está representada na cidade com cerca de 20 restaurantes Michelin. A rica cculinária alemã, claro, também está presente, garantindo opções para os mais variados paladares. Uma boa pedida são os restaurantes descolados instalados à margem do Rio Spree – principalmente durante o verão.
E não cometa o pecado de estar na cidade e não provar as famosas cervejas alemãs. Melhor ainda se saboreá-las em um dos muitos biergarten – jardim das cervejas -, que reúne turistas e locais em alegres confraternizações. Aberto em 1837, o Prater, em Prenzlauerberg, é o mais antigo. Entre os muitos e diversificados tipos e rótulos da bebida estão as conhecidas Berliner, Radeberger, Weihenstephaner e a Berliner Weisse – a preferida dos berlinenses.
Finalizando, garanto que Berlim inspira, seduz e fascina. Três em muitas razões para querer voltar sempre para essa cidade fantástica!
Como chegar
Não há voos diretos do Brasil para Berlim. Lufthansa (lufthansa.com) e Latam (latam.com) têm voos diários saindo de São Paulo e do Rio de Janeiro com destino a Frankfurt, onde toma-se um voo de conexão. Outra opção é utilizar empresas aéreas que voam para destinos da Europa e, em seguida, pegar um voo até a capital alemã. Uma opção interessante é a Royal Air Maroc (royalairmaroc.com), que tem voos saindo de São Paulo e Rio para Casablanca e de lá para Berlim. Podendo ficar até 7 dias no Marrocos sem custos adicionais na passagem.
Onde ficar
O bairro central Mitte é o lugar mais convenientes para se hospedar em Berlim, pois a maioria dos museus e monumentos estão no antigo lado oriental. A cidade oferece boas opções para hospedagem. Há desde hotéis sofisticados e caros até hostels econômicos.
NH Collection Berlin Mitte Friedrichstrasse
Holiday Inn Berlin – Centre Alexanderplatz
Onde comer
A culinária internacional está presente em Berlim, porém, se preferir experimentar pratos tradicionais não tem como evitar as saborosas salsichas com condimentos (Currywurst) – paixão dos berlinenses, o joelho de porco (Eisbein) e as almôndegas de carne em molho de raiz forte, limão e alcaparras (Königsberger Klopse) ou as servidas com pão branco e mostarda (Boulette).
Lorenz Adlon Esszimmer (2 estrelas Michelin)
Texto por: Roberto Maia
Foto destaque por Istock/ sborisov