Annecy, cidade a 560 km de Paris (a metrópole mais próxima é Lyon, a 150 km), é conhecida na França como “Veneza dos Alpes”. As construções antigas e as ruas estreitas são divididas por canais de águas cristalinas conectados por pequenas pontes e passagens.
A combinação entre arquitetura, natureza e história, que na primavera se somam às flores boiando sobre os rios, fez com que o município às margens do Lac d’Annecy seja um dos destinos com mais passagens vendidas no país nos últimos anos.
Devido à localização geográfica, aos pés dos Alpes franceses (entre Lyon e Chamonix), a história de Annecy é turbulenta: ao longo dos séculos, a cidade sofreu várias invasões e pilhagens. Por meio de casamentos, heranças e comércios ao longo do tempo, a cidade se tornou primeiro propriedade do conde de Genebra (hoje Suíça) e depois do conde de Sabóia.
Annecy e a região de Sabóia passaram pelas mãos de vários povos vizinhos: os sicilianos, os saboianos, os espanhóis e os austríacos. Em 1860, no fim da dominação do Império Austro-Húngaro, o rei da Sardenha pediu ajuda ao exército francês oferecendo em troca a toda a região da Sabóia — incluindo Annecy — a Napoleão III.
Os saboianos, atraídos pelo poder de um governo que poderia garantir ordem, votaram massivamente pela unificação de sua região ao império francês em abril daquele mesmo ano. Uma vez francesa, a Sabóia foi dividida entre as regiões de Haute-Savoie (Alta Sabóia) e Savoie (lê-se “Savoá”), em que Annecy se tornou a capital da primeira e a vila de Chambery, da segunda. Em 2010, no 150º aniversário da reunificação da Sabóia à França, as duas cidades receberam grandes festejos, incluindo a presença de líderes políticos e, claro, muitos turistas.
Hoje, Annecy ainda mantém seu centro velho e pequeno conhecido principalmente pelo Palais d’Isle, um monumento construído entre os canais da cidade no século 12. Foi a primeira residência do Lorde de Annecy e, nos anos seguintes, se tornou sede do poder do conde de Genebra, um tribunal e uma prisão — que funcionou ali da Idade Média até 1865, e novamente durante o período da Segunda Guerra Mundial. Agora, enfim, é um museu da história local e um ícone de Annecy — recentemente, a prefeitura afirmou que é uma das atrações mais fotografadas da França.
Ao redor do Palais d’Isle está o centro velho, com muitas lojas, galerias e restaurantes tradicionais que usam os prédios antigos como palco para apresentações musicais e exposições de arte. Na região também há um mercado que funciona o ano todo na Rue St. Claire, onde os turistas encontram produções artesanais locais três vezes por semana (terças, quintas e sábados). Existe também um mercado de antiguidades e de arte todo último sábado do mês, durante o dia inteiro no quarteirão Vicenza — só profissionais vendem seus produtos ali.
Igrejas católicas
Annecy também tem muitas igrejas católicas que contam a história dos séculos de invasões, disputas religiosas e pilhagens. Em 1530, os eventos da Reforma Protestante colocaram a cidade no centro do ducado de Sabóia, quando o bispo de Genebra foi expulso da cidade e precisou se refugiar na pequena vila às margens do lago — a mais próxima da hoje metrópole suíça.
Como nova sede da diocese de Genebra, Annecy se tornou um centro estratégico da Contra-Reforma, particularmente com a liderança de São Francisco de Sales. Esse papel histórico legou muitas igrejas, construções góticas e ordens religiosas à cidade hoje turística francesa.
A principal delas talvez seja a construída por São Francisco de Sales e Janne de Chantal em 1610, no lugar que havia sido reservado para erguer o Convento da Ordem da Visitação. Em 1644, a Igreja decidiu reconstruir o templo em estilo barroco, a forma arquitetônica da Contra-Reforma. O santuário hoje é um lugar de peregrinação de cristãos franceses, já que abriga os restos mortais dos seus fundadores.
Na Revolução Francesa, a construção foi profanada pelos rebeldes e se tornou uma fábrica de impressão, e apenas em 1888, quando uma empresa privada comprou o edifício de volta, o restaurou e reconstruiu a capela-mor e o altar-mor, é que ela voltou a ser um lugar religioso. Em 1889 uma cópia do altar original foi instalada e, em 1923, os donos entregaram o templo à comunidade italiana de Annecy.
Outra igreja famosa da cidade é a catedral de Saint Maurice, construída por volta de 1420 pelo cardeal Jean de Brogny sobre o canal St. Maurice. O edifício flutuante foi a última capela do convento dominicano local e hoje atrai turistas por ser a igreja mais velha da cidade. Seu nome é uma referência a Maurice, patrono de Annecy e da Savóia.
Seu grande telhado suspenso é típico da arquitetura gótica de Savóia. Nos séculos 15 e 16, a posição central da igreja levou artesãos e famílias nobres da cidade a flanquear a nave com capelas laterais.
A mais bela, porém, deve ser a catedral St. Pierre, uma igreja que foi inicialmente destinada para ser uma capela para um convento franciscano próximo cujas portas foram abertas em Annecy no século 16. Dedicada em 1539 à “santa cruz” e a São Francisco de Assis, nomes que podem ser vistos nas paredes externas, ela possui uma fachada renascentista e o interior em estilo gótico.
Quando o bispo de Genebra chegou a Annecy expulso de sua cidade, ele fez da capela sua morada episcopal e, durante os anos seguintes, a sua posição como catedral provisória se manteve. Durante a Revolução Francesa, a igreja foi invadida e transformada em templo ao “Deus da razão”, e apenas em 1822 ela voltou a ser a catedral religiosa de Annecy.
Além de um discurso de São Francisco de Sales antes de assumir uma posição no Senado de Sabóia, no século 18, e de esculturas em mármore de Master Aguisetti, o interior também possui um grande órgão feito por Nicolas-Antoine Lété em 1842, com 32 peças.
As impressões
O brasileiro Max Guedes, que mora na França desde 2015, recomenda que uma visita a Annecy nunca dure um único dia — como é comum entre os turistas que chegam à cidade. “É ideal passar de dois a três dias lá, se perdendo entre os vários canais. As ruas estreitas alinhadas com casas em tons pastéis e as flores sobre as janelas fazem com que ela seja um destino romântico da França”, conta ele.
“Parar em uma padaria e pedir um croissant, ou sentar e tomar um café na beira dos canais, são aquelas coisas que nunca mais esquecemos”, completa.
No site City Traveler, a jornalista britânica Stacia Friedman diz que Annecy “tem os canais enfeitados de flores de Veneza, as montanhas de neve de Genebra — a 35 km dali –, as lojas de Paris e o clima da Riviera”.
No verão e na primavera, Annecy se enche de bicicletas: ao redor do lago, ciclovias construídas para percorrê-lo oferecem vistas diferentes das águas aos pés das montanhas. Em alguns lugares, há até pontos de um banho nas águas limpas. O lago, aliás, oferece também a oportunidade de navegar, alugando um pequeno barco em Annecy em que os turistas podem passar horas nas marés calmas.
Na beira do lago, outra atração famosa é a Pont des Amours, cuja lenda diz que, quando dois apaixonados se beijam sob ela, ficam juntos para sempre. Ela fica no meio de um parque que, nos dias de sol, oferece as vistas mais bonitas dos alpes e onde é possível levar queijos, pães e comidas frias para passar uma tarde. No inverno, as árvores secas e as montanhas nevadas garantem o espetáculo fotográfico.
Na parte gastronômica, o grande chamariz de Annecy é o raclette, um prato suíço que consiste em queijo fresco colocado a fogo aberto que, em seguida, é raspado e servido com batatas, carne seca, pepinos e cebolas em conserva. No inverno, quando os restaurantes abrem seus sistemas de aquecimento, comer a iguaria local na beira dos canais é a experiência definitiva da cidade.
Ainda na parte histórica, há o castelo de Annecy, residência dos condes de Genebra e, desde 1953, um museu que abriga exposições temporárias e uma coleção permanente de belas artes, esculturas religiosas, mobiliários tradicionais dos alpes e artes contemporâneas.
Annecy, em suma, possui duas partes: uma nova, com butiques atuais, hotéis e restaurantes, e uma velha, que é como se fosse um grande livro de história. “Qualquer uma das duas é de fazer o coração saltar pela boca e cair nas ruazinhas de pedra. Talvez valha a pena mesmo deixá-lo por lá”, finaliza Max.
Texto por: Agência com edição
Foto destaque por Istock/ vallefrias